Todos os anos, blocos, cordões, bailes, desfiles e carros alegóricos tomam as ruas de nossas cidades para comemorar a festa mais popular de nosso país, o Carnaval. Durante os dias que antecedem a quarta-feira de cinzas, a alegria toma conta de adultos e crianças, e por algumas horas, as pessoas se permitem sair da rotina dando asas à imaginação e à fantasia. A origem da festa remonta ao calendário cristão, pois nos dias que antecediam a Quaresma, tempo marcado pela prática da penitência e do jejum, os cristãos costumavam festejar e se fartar de carne. Assim, encontramos a etimologia da palavra Carnaval, que significa “festa da carne”. Por volta do século XVII, os portugueses introduziram a festa no Brasil, que naquele tempo era chamada de Entrudo. Com o passar do tempo, o Carnaval foi mudando. O caráter religioso da festa acabou cedendo ao caráter profano, e se transformando em objeto do mercado. Hoje, testemunhamos toda sorte de excessos e transgressões durante o Carnaval. A alegria legítima acabou se transformando em artificialidade, com data marcada para começar e terminar.
Diante dos excessos vividos no tempo do Carnaval, da busca pelo prazer imediato, da liberação sem critério dos impulsos, da violência provocada pelo consumo excessivo de bebida, devemos nos perguntar sobre o valor da verdadeira alegria para a nossa vida e sobre o testemunho que podemos dar, como cristãos, para muitos de nossos irmãos que estarão pulando carnaval. Infelizmente, também a alegria foi reduzida a objeto de consumo e confinada a poucos espaços e momentos de lazer. É preciso, então, reencontrar o valor da alegria e exercitar-se cotidianamente para alcançarmos um coração verdadeiramente alegre, livre da falsa alegria, que só está presente no momento da euforia e da diversão. Uma autêntica alegria tem o poder de nos transportar gostosamente para além do tempo, do mundo puramente ordinário e biológico, devolvendo-nos a consciência de que somos chamados a nos realizar plenamente como pessoas, desenvolvendo e aperfeiçoando nossas potencialidades humanas.
É preciso lembrar que a alegria é uma virtude genuinamente cristã. A Sagrada Escritura está cheia de exemplos de autêntica e gratuita alegria e de convites para estarmos alegres. A Revelação cristã fala da alegria do início ao fim. A alegria está presente nos acontecimentos e situações do cotidiano (Ecl 3,22; 9,9), no culto (Dt 12,18; Sl 33,1), na pregação e ministério de Jesus (Jo 3,29; Lc 10,20; Mt 13,44). A alegria cristã vem da Ressurreição de Jesus, certeza de vida plena, transformando a nossa existência humana em lugar da festa e do dom. Assim, a alegria, fruto do Espírito (Gl 5,22), pertence à vocação do cristão, e este deve empenhar-se para vivê-la e testemunhá-la: “Toda a nossa existência, qualquer gesto da nossa parte, deveria manifestar ao mundo que temos origem na transbordante bem-aventurança de Deus, que nos chamou a concelebrar o festim eterno da Sua felicidade e da Sua alegria” . Muitas pessoas pensam que a religião cristã é inimiga da alegria e da festa, e muitas vezes somos responsáveis por provocar esta imagem, mas aceitar esta postura seria trair a nossa vocação cristã de sermos portadores da alegria e chamados a contagiar o próximo com uma alegria santa e fecunda.
Voltando ao Carnaval, é preciso dizer em primeiro lugar que a alegria é um dado antropológico e pertence à própria vida cristã, pois desde sempre o ser humano gostou de festejar e celebrar a vida, e a própria Revelação cristã nos comunica uma alegria contagiosa; em segundo lugar, é preciso lembrar o que a Igreja nos ensina e exorta, isto é, para que saibamos brincar e se alegrar no Carnaval com responsabilidade e equilíbrio, prestando atenção aos excessos e cuidando para não prejudicarmos a nós mesmos e ao nosso próximo. A diversão e alegria são aspirações legítimas e podem também se tornarem ocasiões nas quais podemos experimentar a presença de Deus, desde que vividas no equilíbrio e na moderação. Portanto, não deixemos que os excessos de todo tipo nos roubem o prazer e alegria de estarmos juntos, alegres e contentes, apesar dos percalços da vida e da sociedade brasileira. Termino com o conselho de Dom Helder Câmara: “Brinque, meu povo! Povo querido! Minha gente queridíssima. É verdade que quarta-feira a luta recomeça. Mas, ao menos, se pôs um pouco de sonho na realidade dura da vida!”.