A igreja nos propõe o exame de consciência. Contudo, o que é mesmo a consciência? Como formá-la corretamente?
Caros amigos leitores, esta não é uma pergunta que uma resposta rápida que seja satisfatória. Buscando responder ao pedido do nosso caro reitor Pe. Américo, tentarei expressar algumas ideias em poucas linhas, mas que, com certeza, portarão necessariamente a um aprofundamento posterior.
Então, o que é a consciência?
Nós redentoristas, inspirados pelo nosso fundador, Santo Afonso Maria de Ligório, temos este tema da consciência em lugar principal quando falamos de teologia moral. Santo Afonso combateu com veemência uma certa visão redutiva do ser humano e da fé, que se viu expressa naquele tempo principalmente por uma linha de pensamento chamada jansenismo (posteriormente foi declarada herética pela Igreja). Tal forma de compreender a fé e o ser humano, em linhas gerais, sob o aspecto moral, colocava a letra da lei acima da consciência humana.
O tema da consciência é tão importante que, ainda hoje na faculdade onde trabalho, em Roma, temos um grande número de teses dedicadas a compreender este fenômeno humano, bem como o encontramos entre os argumentos principais nas aulas que ministramos. Grande parte do esforço atual está em aproveitar-se das recentes descobertas sobre tal assunto, advindas de campos do saber como a psicologia, antropologia e outras ciências afins, visando tornar mais clara nossa compreensão sobre o que seja a consciência e seus mecanismos.
Nos últimos meses, o tema da consciência e do discernimento retornou com grande força nas rodas de discussões por causa do belo documento pós-sinodal Amoris Laetitia, de Papa Francisco, sobre a alegria da vivência do amor em família. Ali o papa recorda o imperativo amoroso de que, em todas as etapas da vida familiar, ou seja, do seu início, crises e frutos até suas dores e falimentos, a formação da consciência e o prudente discernimento são essenciais.
Enfim, para compreender o que seja a consciência, andemos a um texto do Magistério da Igreja essencial para este tema, que encontramos no documento do Concílio Vaticano II Gaudium et Spes, em seu número 16:
“A consciência é o centro mais secreto e o santuário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser.”
Assim, este lugar intimíssimo onde o ser humano se encontra consigo mesmo e com Deus, pode ser compreendido com uma série de sentidos interligados, dentre os quais, destacamos alguns relativos especificamente ao aspecto moral:
- Como o conhecimento que o indivíduo tem de si mesmo, ou seja, de suas potencialidades e falibilidades; - Como a capacidade de julgar/discernir uma determinada ação para o bem ou para o mal segundo um conjunto de valores, ou seja, seu conjunto de valores mais profundos; - Como o conteúdo que está presente nesta capacidade de avaliar as ações; - Como lugar de autoavaliação; - Como lugar do contato mais profundo onde o “eu”, sem máscaras, a verdadeira personalidade, se encontra diante daquele que o criou.
Como formar corretamente a consciência?
A primeira coisa que devemos considerar é o fato de que uma consciência não se forma sozinha e nem de uma só vez. A este ponto me lembro muito de São Paulo, em sua belíssima Carta aos Coríntios, onde exprime um pouco desse processo:
“Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como crian¬ça. Desde que me tornei homem, eliminei as coisas de crian¬ça. Hoje vemos como por um espelho, confusamente; mas então veremos face a face. Hoje conheço em parte; mas então conhecerei totalmente, como eu sou conhecido.” (ICor 13, 11-12)
Assim, de modo processual, a formação da consciência se mostra primeiramente como uma tarefa individual, onde o sujeito, no exercício de sua liberdade, cresce diante de Deus e dos outros. Contudo, como bem dizia o grande místico Thomas Merton, há que se considerar que “homem algum é uma ilha”. Ou seja, estamos sempre em relação com os outros, e a formação de nossa identidade e consciência se dá neste ambiente relacional. Dessa forma, ela é tarefa individual, mas também comunitária. Somos formados em comunidade: família, escola, sociedade etc., e todos estes círculos de vivência dos quais fazemos parte nos influenciam.
Tal formação não é nunca simplesmente intelectual. E, talvez, considerar somente este aspecto racional/intelectual como o mais importante tenha sido um dos nossos maiores erros catequéticos ao longo dos anos. É muito importante saber os conteúdos, informar-se etc., mas isso não é tudo e nem toca o mais essencial. Lembremo-nos de que os fariseus da época de Jesus eram mestres no conhecimento teórico das leis. Assim, devemos ter em conta que a consciência é formada também pela qualidade das relações, pelos testemunhos aos quais temos acesso etc., ou seja, pelas experiências que fazemos e o sentido que damos a estas onde, conhecimento teórico, fé e vida se encontram.
Pe. Maikel Pablo Dalbem, C.SS.R. Roma/Itália