O que a Exortação Apostólica Amoris Laetitia diz sobre a situação dos casais em segunda união?
A pergunta que nos foi apresentada como reflexão para este mês, não é das mais fáceis para se responder em poucas palavras. Tal dificuldade não vem do fato que o documento seja difícil, ou que nos apresente uma reflexão que seja muito complicada de ser aplicada, pelo contrário, bem ao estilo do magistério de Papa Francisco, é um documento muito prático, assim como eram as cartas dos primeiros apóstolos às igrejas das quais eram responsáveis. A dificuldade que se nos apresenta, vem do fato de que, sob o risco de ser muito redutivo, não dar conta, em uma resposta rápida, da grandeza do trabalho que de reflexão que o antecedeu, bem como da riqueza que constitui o próprio documento para a compreensão das dores e alegrias da realidade das famílias cristãs. Assim, precisamos dar um passo atrás no tempo, anterior ao dia 19 de março de 2016, quando o documento foi promulgado, ou seja, foi tornado público. A “Alegria do Amor”, como se compreende pela tradução do título, é fruto de um trabalho muito extenso, que envolveu toda a Igreja em um esforço para compreender a realidade, ou melhor, as diversas realidades nas quais nossas famílias, no desafio de viver sua fé cristã, se encontram inseridas. Tudo começou mais ou menos três anos antes, quando um bem elaborado questionário foi enviado a toda a Igreja, por meio das dioceses e, consequentemente, em suas paróquias. Em tal questionário, se perguntava sobre as dores, dúvidas, alegrias e dificuldade do viver em família, em todas as suas realidades, desde sua constituição e pré-constituição (como é o caso do namoro), e as diversas formas de família que encontramos em nossa sociedade (tradicionais, mono-parentais, reconstituídas, etc.). Com o resultado deste questionário, realizou-se um primeiro Sínodo, em caráter extraordinário, que teve como tema “Os desafios pastorais da família no contexto da Evangelização”. Vários especialistas e representantes da Igreja, leigos e religiosos, se debruçaram sobre este documento, bem como sobre diversos testemunhos de famílias em diversas situações que foram levados à aula Sinodal. Sem dúvida, foi um belo trabalho de escuta da realidade para, enfim, partir para um outro passo. Deste primeiro Sínodo, nasceu um documento de trabalho bem elaborado, que foi pedido para ser estudado nos diversos âmbitos da Igreja, para depois ser compartilhado no segundo Sínodo, este de caráter ordinário, um ano depois, em 2015, que teve como tema “A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo”. Assim, os membros presentes no Sínodo, ao final, aprovaram um documento com propostas para que Papa Francisco, como pastor da unidade da Igreja, redigisse sua exortação. Desta forma, vemos que o caminho que deu origem a Amoris Laetitia foi longo e feito de muita escuta sobre as diversas realidades que se apresentam à Igreja nestes tempos de tanta mudança. Compreendido tal caminho, podemos agora dizer alguma coisa sobre o documento. Esse não diz respeito somente às famílias reconstituídas, comumente chamadas de “segunda união”, mas à realidade familiar que passa por crises e necessidade de uma compreensão mais aprofundada por parte da Igreja. Formado por 9 capítulos, inicia com uma leitura da realidade familiar a partir das Sagradas Escrituras, passa pela leitura da realidade, com suas luzes e sombras, apresenta a espiritualidade e a teologia do amor conjugal, se preocupa com a educação dos filhos, a preparação dos novos casais para o matrimônio e as diversas outras situações que precisam de atenção e acolhida. O oitavo capítulo, de modo muito específico, traz orientações pastorais muito concretas sobre o tema. É aí que encontramos o caso das famílias reconstituídas. Os termos utilizados para falar desta pastoral necessária são muito práticos e claros: acompanhar, discernir e integrar. Assim, a primeira coisa a ser feita, em consonância com o Magistério de Francisco, é acolher. Existe espaço para todos no seio desta nossa família. Embora, sabemos, por tanto tempo, em algumas realidades de Igreja, não se viveu assim. Acolhendo a todos e, de modo mais atento e carinhoso, àqueles que estão em situação de sofrimento, Papa Francisco não dá um caminho com respostas prontas e ajustáveis à força em todas as realidades, pelo contrário, nos apresenta um caminho pessoal de acompanhamento destas famílias em suas próprias realidades, feito pelos seus respectivos pastores, bem como especialistas e agentes de pastoral segundo a necessidade e formação. É deste caminho de acompanhamento, que leva a uma profunda revisão da vida e compreensão em consciência diante de Deus, que virá o terceiro e último passo: integrar. Cada situação encontrará seus meios de integração a partir de um abraço amoroso, compartilhado e comunitário de Deus e da comunidade. Tudo se dará gradualmente e em consciência, com o auxílio e a vivência comum nesta grande família que compõe a Igreja.
Pe. Maikel Pablo Dalbem, C.SS.R. Roma/Itália